Em Agosto fomos extraídos do Afeganistão por causa das eleições presidenciais. Dado que não trabalhamos com nada ligado às eleições, foi-nos dito saiam daqui que só atrapalham os serviços de segurança. Nós: tá bem. Três semanas de férias forçadas! A primeira semana foi passada em Berlim para o casamento do ano que já relatei. E as duas seguintes?
O H queria ilha. Eu queria ilha e ausência-total-de-muçulmanos-pela-tua-rica-saúde, embora fizesse uma excepção se fosse para voltar a Zanzibar. A vida é demasiado curta para voltar aos mesmos sítios - disse o H. Por isso a ideia foi, inicialmente, ir a São Tomé e Príncipe. Acontece que o dito cujo país é caro como o raio, está sempre nublado e ainda tem pouca infrastructura. Por isso ficou para outra vez. Então para onde? MADAGASCAR!
Tudo começou com uma viagem de 19h Berlim-Munique-Joanesburgo-Antananarivo (Tana para os amigos). E de dar com a cabeça nas paredes: um avião apinhado (crise económica o tanas), pernas a inchar, pés a latejar (trombose de viagem?), suor, tremor e pânico a cada espirro ouvido ou sentido (gripe suína?), bexiga a transbordar de 10 em 10 minutos por ultra-hidratação (para prevenir a trombose, diz o folheto) e desespero ao olhar mais uma vez para o lado, onde o H, todo esfalfado na cadeira, me bloqueia mais uma vez a saída para o corredor (e consequentemente para o WC), a dormir que nem um anjinho... Que se lixe o anjinho, estava mas é a ressonar que nem um animal. Como é que ele consegue?
Tana foi uma boa surpresa. Ok... como boa capital Africana, as ruas estavam cheias de Toyotas Hiaces a cair de podre, cheios de gente - velhos, novos e médios - malas, galinhas, couves e afins, com escapes tão rotos que a ASAE certamente a eles se faria se os visse. Mas

o trânsito escoava com uma certa ordem, por avenidas grandes e arejadas e edifícios bonitos. Passando por um café, vi uma jovem mulher à conversa com amigas e a fumar. Caiu-me o queixo; choque total. Para quem se pergunte qual será o efeito psicológico de viver num país como o Afeganistão, o efeito é este: o cair do queixo ao ver uma mulher a socializar e a fumar. Interiorizei de tal forma o estatuto sub-humano da mulher neste país que instintivamente me choca ir a outro país e ver a liberdade (ou normalidade?) com a qual outras mulheres vivem. E um sentimento complexo porque não acontece em Berlim ou em Lisboa, onde as mulheres na rua são como eu. Acontece, sim, ao contacto com o "o outro", o indígena, num país que, pessoalmente ou culturalmente, não é o meu. A primeira coisa que ganhei com Madagascar foi a determinação de sair do Afeganistão o mais depressa possível para salvaguardar uma certa noção da normalidade. A segunda coisa que ganhei com Madagascar, ao ouvir Francês em todo lado, foi o conforto de estar num país onde as pessoas me percebem e eu a elas e, com ele, a determinação ainda mais forte de sair do Afeganistão o mais depressa possível - bolas, com tanto poliglotismo, porque é me vou sempre enfiar em sítios onde ninguém fala nenhuma das línguas que eu falo?
No dia seguinte, descansados e limpinhos descemos para a rua para conhecer o guia/condutor que

nos iria acompanhar durante uma semana. Inspecionado o veículo, concluímos que era de fiar, que o motor não ia morrer, que não íamos ficar empanados no meio da savana com leões à volta com na Tanzania (até porque em Madagascar não há savana nem leões). O condutor/guia era o Joro (pronunciar Djuro), um jovem simpático que se iria tornar um óptimo companheiro de viagem. O Joro tem 32 anos, é casado e acabou de ser pai pela primeira vez. Seria um jovem como nós, não fosse o seu gosto duvidoso em matéria de óculos de sol. O Joro contou-nos que este ano o negócio andava a meio gás, com a falta de turistas. Em Março deste ano, houve o que alguns dirão ter sido um golpe de estado e o jovem presidente Marc Ravalomanana foi deposto. O Marc estava no poder desde 2001 e, embora tenha sido revolucionário em muitos aspectos (primeiro presidente oriundo do interior e não da região costeira, novo, que criou parques naturais, regulou a observação de baleias e montou uma campanha vigorosa contra o turismo sexual), tinha uma certa tendência para jumelar a vida de presidente com uma vida de businessman. A cena do Marc era os lacticínios: iogurtes, natas, leite, queijo e afins. A a empresa que criou, a Tiko, tem o monopólio do negócio de todos os derivados de vaca e outros que tais, o que não fica nada bem. Apesar de apoiantes terem saído à rua e levado com balas (algumas de borracha, outras reais), o Marc teve que fugir para a Swazilândia e se voltar a pôr os pés em Madagascar vai de cana 4 anos por abuso de poder. Marc foi substituido por um governo de transição liderado por um tal Andry Rajoelina, que, antes de se dar a assuntos de Estado, ganhava a vida como Disque Joca. Tudo isto aconteceu sobre um pano de fundo de complots dignos, engendrados sugerem alguns pela França, ex-metrópole ressabiada em declínio de influência no mundo em geral e em Africa em particular. O resultado de tudo isto, disse o Joro, é que Madagascar estava às moscas.
Amanhã: mais sobre a 1a etapa da viagem, em que andámos pela selva à espera que animais acordassem e começassem a chorar.
3 comentários:
Então e eles não são muçulmanos?
Mab espera o resto incluindo as fotos dos fatos pro casamento
Não! Em Madagascar são católicos apostólicos romanos. Há um ou outro Muçulmano, mas não se ouvem mesquitas!
Não consegues pôr as fotografias a abrir em grande?
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