Arussa








Ontem foi a sessão de "beleza". Até à peruca maravilha com corrente ligada ao nariz tive direito!

Sou mulher casada por standards Portugueses, Alemães e Sudaneses.


Eid

Eid marca o fim do Ramadão e está a acontecer agora.

Para os Sudaneses quer dizer intensa vida social e partilha de comida com familiares e amigos.

Para mim quer dizer:
1) visitar as casas de todo o staff local aqui do escritório (e são muitas...);
2) roçar a crise diabética com uma dose diária de 2Kg de bonbons, bolinhos e afins e 2L diários de coca-cola ou Mirinda roxa (sabor a sintese de amora);
3) juntar a minha mão a várias outras mãos para alcançar o feijão em óleo de sésamo e as bolinhas de falafel (croquetes de grão de bico) ao jantar;
4) perceber que sou "arusso": noiva;
5) dançar como "arusso" que sou: estalando os dedos e encolhendo e desencolhendo os ombros ao ritmo de uma música monocórdica que por misteriosa razão nunca acaba;
6) submeter-me a sessão de hena para "arussos": pinturas nas duas mãos e nos dois pés. As hereges não "arusso" só pintam uma mão;
7) praticar o rlirlirlirlirlirlirlirlirli que fazem as verdadeiras mulheres daqui.

Se fosse homem andaria à vontade nas ruas de Nyala, não teria grupos suspeitos a olhar insistentemente e não ouviria o constante e universal "csss, csss...".
Mas sendo mulher tenho acesso a este mundo de fêmeas. E extenuante, mas vale a pena!

O sonho a dois meses de distância

Está decidido o principe e eu vamos voar até aqui!
E explorar tuuuuudo!
Atékenfim!!

Pronk, ganda bronk

Por causa do que escreveu aqui à cerca das desfeitas do exército Sudanês face aos rebeldes no Darfur, Jan Pronk, representante do Kofi Annan no Sudão, tem 72h para sair do país.

Mas convenhamos, era uma questão de tempo. Tirando o posto de chefe das forças da ONU no Rwanda em Abril de 1994, o posto de representante da ONU no Sudão em 2006 é provavelmente uma dos mais difíceis de aguentar.

O cargo foi criado no contexto do acordo de paz Norte-Sul de 2005 e da criação de um governo transitório de União Nacional, após 20 e tal anos de guerra civil. Enquanto a paz se faz a Sul, o Este desasossega-se e o Oeste rompe em guerra (Darfur), não por pretensões independentistas como o Sul, mas por um semelhante sentimento de marginalização e um desejo de representação a nível do governo central. Com um país deste tamanho, que de federalista tem só o nome, instabilidades regionais são ao mesmo tempo uma consequencia e um teste para o acordo de paz Norte-Sul. Daí o escrutínio diligente de Pronk a questões que se situam tecnicamente - e apenas tecnicamente - fora do seu mandato. Daí a bronk.

E este acontecimento é realmente revelador dos limites do Governo de União Nacional Norte-Sul:
O teste não está a correr bem, dado que Pronk foi declarado persona non grata em nome do Governo pelo Presidente, ignorando totalmente a posição do Vice-Presidente Salva Kiir (sucessor do histórico John Garang, falecido - diz que acidentalmente mas ó ó mon oeil - em Agosto do ano passado), que chegou ao absurdo de denunciar a decisão que saíu do seu próprio escritório. Em troca de paz e de uma eventual futura ceceção ao longo de uma linha de fronteira ainda por definir que passa por reservas de petróleo das quais o Norte não tem intenção nenhuma de abdicar, os representantes do Sul-Sudão acomodaram-se em Khartoum numa estado de letargia à espera que o tempo até 2011 passe depressa. Por este autêntica deserção, o Sul é agora cúmplice do anti-ONUismo da clique do Presidente e, caso a expulsão de Pronk cause a suspensão do mandato da UNMIS, acabou de perder a instituição que lhes garantia apoio político e material necessário para reconstruir o Sul.

Em segundo lugar, a expulsão de Pronk traz obviamente mais más notícias para o Darfur:
Após meses e meses de alarido e de grito ao genocídio pelos Americanos, que só contribuiu para antagonizar ainda mais as relações entre Khartoum e a comunidade internacional, a ONU tinha finalmente conseguido obter um compromisso, segundo o qual seriam enviados para o Darfur não os tão contestados capacetes azuis do famoso Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, mas sim os menos conhecidos observadores militares do quase incógnito mas não menos interessante Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas. Isto num contexto em que a missão de paz da União Africana tinha acabado de ser prolongada (Outubro 2006) e recebido várias promessas de apoio financeiro por parte, entre outros, de vários Estados Arabes. Foi um passo para a frente. E esta expulsão deu dois passos para trás. O apoio financeiro do países Arabes não chegou, os combates governo-rebeldes e rebeldes-rebeldes recomeçaram, acompanhados pelas habituais deslocações de população en masse, a ONU perdeu o seu representante no país e Khartoum recusa que um novo representante seja nomeado enquanto o novo Secretário Geral da ONU não tomar posse. O que acontecerá em Janeiro, altura em que o mandato da União Africana terá acabado de expirar.

E um cálculo quase matemático do governo de Khartoum para conservar a faca e o queijo na mão em relação ao Darfur.

Infinitas saudades

A minha padaria

Começa a ser um leitmotiv neste blog, mas não posso deixar de mencionar que encontrei "a minha padaria" em Nyala-South Darfur. Fica ali para trás na estrada principal, em passando a Unicef, na parte onde a estrada alarga para um descampado, tão a ver?
Fornos enormes a dar para a estrada e pão, redondinho, sem fermento, sempre quente e saboroso, a Itnên o saco de 10.

Bugalhamento

Neste sítio há bugalhada em todo o lado: moscas gigantes que saltam 50 cm acima do chão, gafanhotos brancos que saltam por cime da minha cabeça, baratas pretas, baratas verdes pequeninas, grilos histéricos (um entrou em stress preso dentro da minha mochila por baixo da cama ontem à noite e eu levei meia hora a identificar de onde vinha o estrilho que não me deixava dormir), e os inevitaveis mosquitos-oxalá-não-portadores-de-malaria-que-eu-esqueço-me-sempre-do repelente.

Há também o buga-killer: o rato darfuriano. Corpo alongado, sinuoso, castanho, pelo sedoso.

Talvez por saber que o chão está limpo, talvez por cheirar a Omo, não sinto nojo absolutamente nenhum destas criaturas.

Só falta o Príncipe

Eu sei que ninguém acredita, mas estou mesmo contente por estar aqui. Nyala tem uma atmosfera, uma energia, um magnetismo que me estão a fascinar e a angustiar ao mesmo tempo, porque à volta da cidade é miséria profunda e caos total.
Mas não imaginam como me senti hoje, quando dei uma volta pela cidade. Fim de tarde, luz de quase quase pôr-do-sol, temperatura quente mas aconchegante, numa estrada serpenteando pelo mercado. A certa altura a vegetação faz-se mais densa e o mercado morre e dou por mim numa ponte. Cheguei ao Wadi. O rio. E não mais que ume larguissima banda de areia, com uma ou outra árvore no meio, mas dezenas de pessoas passeiam, de mão dada ou abaraçadas - os homens - outros muito direitos, recolhidos sobre si e afastados - as mulheres. E à minha direita de repente o Sol, enorme, trémulo, côr-de-laranja intenso.
E ao pensar "estou em Africa" o peito encheu-se não sei se de emoção, se de medo, se de felicidade e expirei: "só falta o Príncipe".

Impressões preliminares

Nyala é menos quente que Khartoum
Nyala é mais verde que Khartoum
Nyala é mais pobre que Khartoum
Nyala é mais cara que Khartoum
O casamento mailindo!