Hamid Karzai diz que houve fraude nas eleições presidenciais de Setembro passado e que... (sentem-se que esta é forte) a fraude veio da comunidade internacional e não dos Afegãos.
A sociedade Afegã tem muitos códigos de tal maneira retorcidos que roçam o irracional. O rei desses códigos, na minha opinião, é o da (não) vergonha: um Afegão não pode sentir vergonha em público. Isso equivale a perder a honra. Por mim tudo bem, acho o princípio bom. Desde que o resultado seja que não façam nada que os envergonhe. Mas não. Fazem. Só que depois nem assumem, nem os outros apontam o dedo.
Por exemplo, na ONG onde trabalhei, havia às vezes situações Kafkianas por causa desta brincadeira. O Director cometia um erro, toda a gente via o erro, mas ninguém falava no erro porque senão o Director sentiria vergonha, de maneira que o erro nunca era corrigido. Eficiente.
Mesma coisa quando os Talibãs foram corridos em 2001. Quando o novo governo emergiu, o mesmo Hamid Karzai veio dizer que os Talibãs não foram um fenómeno Afegão. Não. Os Talibãs foram um fenómeno Paquistanês e Saudita que tomou o Afeganistão por assalto. Quem eram aquelas milícias que patrulhavam as ruas à cata de barbas demasiado curtas e de mulheres de sapatos que faziam barulho no chão? Quem eram os hooligans que passavam as sextas à tarde no estádio de Cabul para assistir ao apedrejamento de mulheres alegadamente adúlteras?
E a história continua. Na primeira volta houve fraude de todos os lados e foi tão mal feita que até dói: boletins de voto pre-preenchidos, putos de 12 anos com cartões de eleitor, chefes de comunidade pagos para unirem as suas comunidades sob um determinado candidatos... E Hamid Karzai continua presidente porque o outro candidato se retirou dado o caos total daquela ridícula segunda volta. Mas sim, a culpa da fraude foi da comunidade internacional.
O H. diz que o código da (não) vergonha é a única maneira dos Afegãos se entenderem, de não haver guerra civil permanente. Percebo a ideia, mas para mim esse código é uma doença de cariz psiquiátrico que os une, sim, mas na mediocridade e não no progresso.