Dia da fêmea.

Hoje é dia da mulher então esta manhã fui inundada de votos de felicidade, saúde e sucesso. Sempre pensei que os colegas me viam como um ser híbrido, nem homem nem mulher. Mas com tanto voto de felicidade hoje, percebi que sou definitivamente uma mulher para eles. Por mim tudo bem, não fosse a conversa que tive com um dos meus colegas:Digo eu: pois é pena não haver um dia do homem para eu poder desejar-te o mesmo.
E diz ele: dia do homem são os outros dias todos, para as mulheres é que é preciso
um dia especial.
E eu: mas porquê?
E ele: para mostrar o respeito que devemos ter pelas mulheres, que têm uma função muito importante na sociedade.
E eu: Ah sim, qual?
E diz ele: as mulheres são muito importantes porque sem elas não haveria homens.

Esta resposta, garanto-vos, não é para dizer que atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher. E para ser interpretada num estrito sentido reprodutivo. Eu sei que isto é o Afeganistão, mas bolas... As coisas que uma pessoa tem que ouvir.


E este postaleco que me mandou uma ONG parceira - aparentemente as mulheres podem fazer quase tudo o que se lhes mete na tola.


Não sei se é sorte, se é oportunidade agarrada, mas em 28 anos de vida, tenho passado uma data de momentos memoráveis. Vou registá-los aqui para não perder o sentido de realidade em dias em que me sinta injustiçada pela vida...

Sentei o rabiosque numa cadeira da assembleia geral da ONU a ver a primeira resolução contra a pena de morte ser votada pela maioria dos países do mundo.

Levantei o rabiosque da cadeira por detrás do vidro à prova de bala da sala de audiências do Tribunal Penal Internacional quando os juízes entraram, para começar mais uma sessão do julgamento de Slobodan Milosevic (esse sentado no seu canto, com uma constante expressão de gozo)

Fiz-me discreta (única fêmea) no ringue improvizado para ver uma luta Nubiana nos arredores de Khartoum - homens gigantescos a soltar urros animalescos com um balançar ameaçador e a esfregarem-se com terra do chão

Vi os malucos dos Sufis Sudaneses entrarem em transe ao pôr do sol num cemitério depois de predizerem que vou ter 2 filhas e 1 filho.

Vi a cascada de lagos de Jebel Marra, o coração do Darfur - inacessíveis por falta de trilhos e por excesso de rebeldes armados - quando o piloto Búlgaro do helicóptero das Nações Unidas resolveu fazer um itinerário diferente um dia.

Respirei ar carregado de areia do Sahara que inundou Khartoum durante um "haboob" e expecturei-o todo nas horas que se seguiram.

Ouvi os muezins em unísono de centenas de minaretes na Cidade de Pedra, em Zanzibar

Fiz Dili-Ataúro num barquito de madeira - 5h à vela por um mar cheio de baleias, tubarões e cobras marinhas

Palmilhei as ruas de Manhattan durante meses invernais - zero graus, céu azul e ar límpido.

Caminhei sobre a lava do vulcão de Àgua na Guatemala













E mais recentemente sobrevivi ao Túnel de Salang que liga Kabul ao Norte do Afeganistão: 6 Km de túnel Hindu Kush adentro sem aberturas, sem arejamento, sem luzes, cheio de buracos, cheio de camiões com escapes rotos onde o maior risco de vida é o de simplesmente abrir a janela do
carro e inspirar uma boa golfada de "ar"

Definitivamente - sorte.