Vadiage

Desde que voltei para o Ganistão, tem sido uma vadiage. Tenho 70 projectos para avaliar, metade dos quais involvem fêmeas - um mundo aberto somente a outras fêmeas como por exemplo eu.

O problema é que eu falo muitas línguas, mas o destino parece insistir em gozar com a minha cara e mandar-me sempre para sítios onde o meu poliglotismo não vale um tostão furado. O primeiro passo foi portanto contratar uma assistente fêmea capaz de seguir bem as conversas e traduzir para mim. O problema é que mulheres Ganistãs não podem andar aí na vadiage fora de casa sem rei nem roque. Quase todas as que entrevistámos acabaram por se acanhar diante a perspectiva de 20h por semana on the road. Algumas por pressão da família, outras por genuino medo e desorientação pessoal. Mas finalmente lá encontrámos uma jovem disposta à aventura.

Então tem sido assim. Desde que cheguei, há duas semanas, passei 40h enfiada num carro por estradas da província ganistã, por vezes asfaltadas, por vezes não, a caminho de aldeias reconditas.

Isto é a província de Samangan




















E esta é a província de Baghlan










E este é um camião contente














E este é um tanque soviético com vida nova (Afghan Wireless é uma empresa de internet aqui)


De volta - ã? - de volta - ã?? - DE VOLTA!

Após 4 semanas a dormir em camas que, a bem dizer, por mais que tente já não são minhas, estou de volta ao -Shtão com um novo computador que espalhará de novo neste blogue a alegria do acento e do til Portugueses. É bom porque sem isto o meu Português emigra-se de vez.

Custou chegar cá. Tive que arranjar outro trabalho (de volta à cooperação Alemã) e viajar durante um total de 48h de Barcelona para Bona, de Bona para o Usbequistão e do Usbequistão para Mazar. Seis descolagens e aterragems. Nada disto seria um problema não fosse o entupilhame patente nas minhas vias nasais, que me pôs em pânico cada vez que o avião subia ou descia. Era um zumbido, uma coisa, que me esplodia o cérebro, me fazia correr as lágrimas dos olhos. Um stress que invariavelmente despoletava o ataque de tosse (seca) que nem com pãozinho e água lá ía. E o H a olhar para mim entre pânico céptico (e séptico) e ligeira irritação com a barulheira.

Mesma atitude temi das soldadas Alemãs com quem tive que partilhar a tenda, na base militar no Usbequistão. Uma verdadeira tenda de campanha, com duas filas de camas de campanha verde caqui a um metro umas das outras. Folgarão em saber que havia, vá lá, um aquecimento na tenda. Não cheguei, no entanto, a observar nenhuma atitude hostil das soldadas. No dia seguinte, antes de apanhar o vôo final para Mazar, até uma me acudiu a tornar a pôr o saco de cama dentro do respectivo micro-saquinho, mas como deve ser que tens de dobrar isso ao meio e só depois enrolar bem, rapariga. Nem sequer me bateu quando, na ânsia de ajudar a soldada, puz o joelho por cima do rolo que ela tinha feito tão bem, meti as mãos furiosamente pelo micro-saquinho adentro, escorreguei e desfiz o rolito todo. E ela "ai ai, sie hat alles schlecht gemacht" (ai ai que ela agora fez tudo mal) ou lá o que foi que ela disse. Acho que apesar da tosse nocturna, do desastre saco-camal, e do encontrão que dei com o traseiro às costas do oficial da polícia na cantina, eu era um bicho à parte ali - a única femea civil.

No dia seguinte foi esperar 5h, sózinha (que o H pirou-se logo no 1o vôo, o sacana) a ser chamada-me de meia em meia hora (é agora!), até finalmente entrar pelo enorme rabo aberto do C-130 da Bundeswehr, aparelhar-me ao assento de campanha ao lado do Obersfeld Heinz e voar os 20 minutos necessários para chegar de Termez a Mazar. Uma pessoa pensa, bem depois disto tudo 20 min já não custa nada. Mas não. Sucede que os aviões militares ao aterrarem no Afeganistão, vão cheios de cagufa dos rockets que um qualquer barbudo possa estar a apontar de trás de um monte qualquer, ali à espera da ocasião para záááshhh. Vai daí aterram em método "saca-rolhas", assim tão a ver às voltinhas cerradinhas, a perder 200m de altitude por segundo, o que, como imaginarão, constitui pura e simplesmente o fim da picada para os meus pobres ouvidos e vias entupidas. Nada a fazer, uma zumbideira, um xinfrim, um escabeche, uma pressão inimaginável, indesbloqueável por mais que apertasse o nariz e agravada ainda pelos tampões que tive que colocar por causa do já barulhento interior to C-130 e das explosões causadas pelos jactos de calor que o bicho descarrega para os lados ao aterrar para enganar o potencial rocket, que fazem um barulho tal que parece que o rocket veio mesmo. E engraçado porque os tampões dos ouvidos tem a forma de rocket.

Por isso era para dizer que estou surdita, mas durmo finalmente aconchegada na minha caminha. E que desejo um bom 2009 a todos.