Sudão em Berlim


Emmanuel Jal fugiu do Sul do Sudão para um campo de refugiados na Etiopia, algures nos anos 80. O exército de libertação do sul do Sudão andava a recrutar soldados no campo e Emmanuel Jal, porta-voz das crianças do campo já carismático aos 8 ou 9 anos, filmado por conicidência por um jornalista que por là andava, tornou-se criança-soldado. Treinaram-no e deram-lhe uma AK47 maior e mais pesada que ele e mandaram-no de volta para o Sudão para lutar contra as forças de Cartum, juntamente com outras crianças. Ao fim de algum tempo o grupo de crianças-soldados decidiu fugir e caminhou durante meses pelo Sudão, resistindo à tentação de comer camaradas mortos de cansaço e fome e comendo, ao invés, abutres que se aproximavam, sentindo o cheiro de carne humana (quase) morta. O grupo de "lost boys" foi encontrado por Emma McCune, uma humanitária tornada segunda mulher de comandante rebelde, Riek Machar - hoje vice-presidente do Sul Sudão. Emma escolheu Emmanuel, num gesto de selectividade que hoje em dia não seria possível de todo (se cada humanitário fizesse o mesmo...), e levou-o clandestinamente para Nairobi, num vôo das Nações Unidas. Emmanuel viveu com Emma e Riek Machar até à morte de Emma num acidente de carro suspeito, após o qual foi posto na rua pelo não tão generoso Riek. Graças a redes de apoio nos bairros de lata de Nairobi, Emmanuel foi escolarizado e é hoje um famoso cantor de hip-hop, que dá a volta ao mundo com uma mensagem de paz em Inglês, em Nuer e em Arabe. Há quem diga que para saber o que será o Darfur daqui a 30 anos, basta olhar para o Sul do Sudão.

War Child, o filme sobre a vida de Emmanuel, foi apresentado na Berlinale aqui em Berlim e nós fomos ver.
E sim, tenho saudades do Sudão.

O nosso dia dos namorados


Ontem, como era dia dos namorados, fomos jantar ali ao Amuse Gueule.

Gosto do Amuse Gueule porque, como a jiga-joga do nome indica, é um estabelecimento Francês, com comida da avozinha Francesa e empregados da Franca. Para quem, como eu, ainda nao domina os chs e schs Alemaes, é, assim, digamos, como que uma loufée d'air fresque. Entao quando vem a jovem empregada, com o seu Alemao afectado de Frances - was wünscheeeuuun Siiiiie? - eu tento logo empurrar a conversa para o Francês, porque, ao que parece, Alemao com sotaque Francês é muito sexy e eu nao quero perder o marido, muito menos no dia dos Valentins. Portanto: "deux soupes aux oignons sirvopuré". Ela, apanhada de surpresa, continua em Alemao. Ai que agente zanga-se. Passado o incidente, continuei à conversa com o príncipe em Inglês, claro està, porque continua a ser a nossa língua de comunicacao. Entretanto chega a cozinheira - que é a mae dos empregados, parece-me - com a sopa. Ouve-nos a falar Inglês, e, num gesto de flexibilidade linguística pouco comum em Franceses, diz "enjoiiy yoourr meallll". Nisto chega a empregada outra vez com a garrafa de vinho, que também tinhamos pedido, ouve a mae a falar Inglês connosco, e, tal mae tal filha, pumba em Inglês: "who wants to taste zze wine?" Nisto eu, suspeitando - olháqui mon oeil - que o sotaque Francês em Inglês tambem é capaz de soar sexy, respondo "Monsieur". Mae e filha ficam confusas outra vez e olham uma para a outra todas baralhadas. Vem entao o Hendrik clarificar a coisa - em Alemao. Ina bem, baralhou-lhes tanto o carolo que se foram embora nao fosse haver sobre-aquecimento cerebral.

Nisto entra um senhor com um leitor de cassettes e um clarinete e pergunta à empregada, em Alemao, se pode tocar uma musiquinha para alegrar a malta. Carrega no play e sai uma especie de ruído de hard rock Alemao que nao lembra ao menino jesus impôr a ninguém, mas que, terao quissá dito ao senhor, que era o que tava a dar na Alemanha. O senhor continua, nao obstante, a performance, tocando umas notitas no clarinete por cima da cassette. Tudo a olhar... oh meu deus quem é este personagem? E, quando nada mais poderia piorar o espectaculo, dá um ataque de constipacao ao senhor e, entre cada sopradela no clarinete, sai um tossicar fazendo, portanto, com que se oica o rolar da expecturacao em fundo de hard rock Alemao e nao mais o clarinete que era a unica coisa que salvava a situacao. Aí foi mesmo demais, e a empregada diz-lhe para ele parar, que era suposto ser só uma música. Vai ele e implora outra oportunidade, desta vez sem a cassette, que sem a cassette conta como uma música. Ela - neiiineuh neiiineuh. Ele reconhecendo que ela é Francesa: une chanson, une chanson. One song, one song. Nao fosse o Francês dela estar enferrujado. E, sem mais ouvir, desata a cantar em Romeno, tentando ao mesmo tempo dar umas notas no clarinete para acompanhar. Ao fim de algum tempo, conclui que nao dá para multitascar com voz e clarinete e ainda por cima, com a tosse a ameacar, é complicado. E nisto pára e desata a falar encavacado, em Romeno, que é um bocado difícil aquela tarefa. Pelo menos é o que suspeito eu, dado que nao sei Romeno e que se calhar aquilo era Búlgaro.

Foi uma verdadeira perdicao em translacao.